7 de mai. de 2009

>>> O diário de Rodrigo


Capítulo III - Quem é você?

Hoje o dia amanheceu nublado. Acordei cedo pra estudar, mas sentia algo esquisito em mim. Sentei-me na varanda, fiquei vendo o céu e pensando na vida. Lembrei dos anos passados e de duas pessoas queridas que passaram em minha vida. Elas eram a Karina e o outro era o Hugo.
Ela era uma morena linda, com cabelos lisos e castanhos. Inteligente e simpática não tinha uma pessoa que não se encantava pela Kari - seu apelido quando éramos pirralhos. Tinha um olhar forte, centrado mas que ao mesmo tempo transmitiam uma calma e alegria sem igual. Enquanto o Hugo - ou Hugui seu apelido também - era muito brincalhão, engraçado ao extremo. Sem brincadeira só de olhar pra figura dava pra notar como era a peça. Entretanto era um pouco parecido comigo em alguns aspéctos, como na síndrome do palhaço. É, não é zuação não, na verdade é que aquelas pessoas que muito provocam sorrisos acabam sorrindo demais até em horas desnecessárias. Como uma defesa, que não deixava problemas, dores ou perdas serem sentidas veradeiramente. Eu também era um pouco assim, sendo mais reservado que o Hugui.
Rimos muito, aprontamos muito nos tempos da escola. Saíamos pra comer pastel no tio José, da esquina. Velhos e bons amigos. Como era boa essa amizade. Com o passar do tempo crescemos. A Kari teve que mudar de cidade. O Hugui ficou mais tempo, mas logo teve que acompanhar a família, mais precisamente o pai - uma vez que tinha pais separados e todo início de verão ele passava uma temporada com cada um deles - com quem morava na época. Ficamos um bom tempo sem nos ver, nos falávamos pela net e sempre combinávamos de nos encontrar nas férias. Coisa que até então nunca tinha acontecido.
Retomando a vida, assisti a várias aulas, trabalhei e tive um dia difícil no trabalho. A única coisa que melhoraria o final do dia era alguma surpresa. Valia lembrar que minha mãe queridona, sempre que podia, preparava alguma coisa especial pra mim. Mas quando cheguei em casa, colocava a chave na porta, senti um perfume familiar - deu pra notar que apesar de não escutar perfeitamente eu tinha um olfato muito bom por sinal. Era um odor doce e refrescante, do qual só uma pessoa conhecida usava. Insistia em não reconhecer de quem pertencia. Entrei apressado e tive a tal surpresa. Minha mãe estava na sala e acompanhada das visitas mais inesperadas daquele inverno.
Ela usava um vestido levemente azulado, com a velha faixa branquinha nos cabelos - estes que agora não estavam mais como enfeites apenas, junto a fita se portavam com uma trança solitária na parte posterior da cabeça. Era a Kari que estava a me esperar com aqueles velhos novos olhos de menina alegre. Abracei-a fortemente, como alguém que iria após aquele gesto de saudade. Logo ao fundo se ouvia um voz inconfundível e acompanhada de uma rizada única. Era o Hugui que vinha no final do corredor.Pronto, a reunião estava completa. Conversamos por horas. A tarde se despedia e logo seria substituída pela noite. Naquela noite mesmo saímos pra dançar, lanchamos pela rua mesmo e relembrávamos os velhos tempos sem esquecer das nossas realidades atuais. Nossa como foram boas aquelas horas.
Eu não bebia, por isso tive que guiar o carro do Hugui no caminho de volta - essa era uma habilidade adquirida através dos ensinamentos do tio Pedro. Já era tarde, as ruas já estavam quase desertas,salvo apenas pelas lanchonetes e bares locais muito animados por sinal.
Deixamos a Kari na casa dos tios - em que ela estava pra passar aqueles dias - e tive mais uma surpresa da noite. Os dois acabavam de se despedir com um beijo. Kari sabia que não entenderia e prontamente me explicara. Quando éramos pirralhos ela sempre colocava as menininhas que corriam atrás do Hugo pra passear. Enfrentava até os meninos que se metiam a brigar conosco se fosse possível. Aquele era o começo de um sentimento meio incompreendido, um misto de cuidado, carinho e amor. Que resultaram em 1 mês de namorico antes dela se mudar e mais algumas recaídas depois de uma difícil sepração. Além disso eles até esqueceram da relação enquanto falávamos pela noite a fora. Por isso que eu não notara nenhum algo a mais entre os dois.
Depois disso seguimos pro apartamento do Hugo e conversamos mais sobre tudo que estava pendente até então. Eu via a confiança de anos de amizade resumida em 2 pessoas. Sabe, eu sempre fui meio sozinho, tive amigos sim, mas acredito que tais amigos na verdade não passavam de colegas. É, eram colegas em que pude contar em determindas ocasiões, mas com quem não me sentia à vontade pra conversar francamente.
O dia quase raiava e ele me levou até em casa. Nos despedimos e entrei. Ao adentrar no aconchego do lar presenciei uma cena muito desagradável e triste. Vi meu pai bêbado sentado à mesa, totalmente sujo e falando besteiras. Acompanhado de pedaços de copos espalhados pelo chão, minha mãe trancada em seu quarto e meu irmão no outro. Todos já estavam saturados, pois a muito tempo aquela situação se repetia e não tinhámos como ajudar definitivamente alguém que não queria se tratar. Apesar disso tudo encarei a situação, ajudei-o a tomar banho, a se trocar e o levei pra cama.
Passaram algumas semanas, meu pai tinha começado a se tratar, buscar ajuda médica. Eu via os meus amigos poucas vezes na semana sendo que aos fins de semana arranjávamos sempre um tempinho pra nos vermos. Mas sentia que minha família estava desestruturada. Via minha mãe se dedicando a casa e sua saúde- ela possuia algumas complicações que a prejudicavam a todo instante - frágil. O irmão, o irmão não era gente ruim, mas era egoista e não ajudava muito em casa - talvez ele fora o meu exemplo de vida. Uma vez ouvi uma frase que me marcara pra todo sempre, ela dizia que com o passar do tempo nós escolheriamos o que não querer pra vida. E definitivamente eu não era melhor que ninguém ali, apenas não queria cometer os mesmos erros cujas consequências já conhecia. Meu pai, coitado, era apenas mais um trabalhador público assolado pelo descaso dos governantes e que buscava o melhor pra tudo e todos, coisas que ele não teve. Mesmo que para isso custasse um preço que ele não poderia pagar.
O dia mais difícil da minha vida foi num sábado. Descobri que meu pai não se tratava mais e concluí que bebia muito mais que antes. Briguei em casa me senti muito mal por isso, ouvi coisas das quais não merecia escutar. E me senti obrigado a tomar uma atitude, já cogitada mas nunca realizada por inteiro. Resolvi sair de casa. Não seria fácil, eu sabia, mas era a melhor alternativa a tomar. Liguei pro Hugo e aceitei o convite - uma semana antes ele me convidara pra dividir o apartamento com ele, já que a Kari estava nos tios e ele estava buscando alguém pra dividir mesmo o lugar.
Arrumei minhas coisas, poucas por sinal e sai com as lágrimas mais doloridas, nunca sentidas antes. Era a certeza de que não voltaria mais. Este era o início do voo do passarinho que aprendia a bater asas sozinho.
Cheguei ao apê do Hugo e mal chegava via alguém que também não estava legal. Era o próprio Hugo chorando muito. Me abraçou forte, eu estava fraco, sem forças pra passar pra ninguém mas aguentei firme. Ouvia palavras como terminou, acabou, to sofrendo muito, misturadas a sussurros e lágrimas. A Kari tinha terminado tudo com ele derrepente e partiu sem dizer adeus e meu amigo perdera o chão com isso. Abraçado a ele chorei também, não consegui segurar, os problemas se acumalavam sob minha cabeça.
Comecei a refletir sobre quem eu deixei atrás daquela porta em que nasci. Naqueles em que acabara de deixar em casa e neste que acabara de encontrar numa situação ruim como a minha.
Encontrava um outro eu que nascia naquele momento, era hora de crescer realmente e que sinceramente não sabia se conseguiria viver assim. Eu tive medo.

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